Inclassificáveis, Ana Carolina Ralston | 2020

A arte pela arte e acima de quaisquer valores, defendia Oscar Wilde. As entranhas e vísceras que expôs de forma ácida em sua produção literária reforçavam uma de suas máximas: “ser grande significa ser incompreendido”, dizia.

Wilde era um inclassificável. Estava além de moldes, movimentos e formas, porque o que fazia provinha incontestavelmente de seu mais profundo âmago, como as produções do artista Marcos Amaro. Também são inclassificáveis Cabral e Rubens Espírito Santo, que, ao lado de Amaro, caminham em direção à emoção, à sua própria história, da forma mais pulsante – e que até duvidamos existir dentro de nós. Um confrontamento com aquele que tudo sabe, para o qual não podemos esconder ou enganar, nosso mais íntimo eu.

Por hora sexuais ou atrevidas, e provindas de nossos mais loucos sonhos, as facetas do artista paulistano se emaranham entre as produção objeto-desenho-pintura em um ciclo incessante, quase perturbador. Carvão, tecido, óleo, gesso, estopa, argila, bronze. A produção sangra, dói, nos dá prazer, regozijo. Nos faz vivos e transcende o expectador ao papel incorporado, colocando-o com honestidade para dentro do rico e intenso mundo interior do artista. As cores que vemos em cada peça têm a autonomia de se transformarem à revelia. As rédeas estão soltas.

Os inclassificáveis, como Amaro, não buscam na história do mundo a justificativa para seu trabalho. Nem a autorização para demonstrarem a ebulição energética presente em seu ser. Também é verdade que nada neles cabe apenas dentro de seus corpos e mentes. Tais frutos criativos transbordam e, nesse processo, tudo pode ser assistido por todos e em comunhão.

Os materiais trazem volumetria mesmo quando chapados na tela. As figuras expostas em suas obras mostram com clareza o momento obscuro entre o pré e o pós de qualquer acontecimento, seja ele pandemia ou isolamento. Esse limbo onde a transformação de fato acontece, pouco antes do pós (onde também tudo se esclarece) é libertador. A arte derrama por meio deles em direção ao mundo, simplesmente e puramente pelo prazer da arte, nada deve ser provado.

Os aspectos do mundo pré, do desastre ou da escuridão que antecedem a luz da classificação, vivem em seu interior. Onde muitos enlouquecem, os incompreendidos encontram conforto. Seus ideais de beleza, assim como para Oscar Wilde, não são corrompidos pela moral. Na beleza não há ética. Ela pode atingir qualquer forma movida pela fúria da construção e do estudo da matéria. Assim encontramos a produção de Amaro. Múltipla e desvencilhada, como um veículo capaz de quebrar barreiras e abrir caminhos para outros de sua época.

A arte, enfim, se faz orgânica. Sua obra é a cura de sua própria alma. O sangue transpassa as gazes dessas feridas abertas, que anseiam por ser fechadas. Tudo que há de mais profundo está ali sobre a mesa (tela ou qualquer tipo de suporte). Nada há para ser escondido quando não se é (e não se deseja) ser classificado. Tudo pulsa aos olhos do mundo.


Ana Carolina Ralston

Maio 2020