Partenogênese, Ana Carolina Ralston | 2019

“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.”

Gerar, nascer, renascer. Marcos Amaro passou por uma gestação, seguida de um silêncio tão grande escutando o murmurejo de seus pensamentos que deu à luz a Partenogênese. Composta por 15 desenhos, gênero este mais íntimo e livre na intensa produção do artista plástico paulistano, a série desenvolve-se desde a concepção imaculada até a explosão que ocorre ao conceber um ser. Imaculada porque, na partenogênese, o embrião se desenvolve sem a fecundação; apenas espécies que não dependem do sexo oposto conseguem chegar a tal intimidade consigo mesmas a ponto de gerar uma vida dessa forma única.

Os desenhos gerados durante um período em que esteve longe do Brasil, fizeram dessas 15 peças que compõem a série uma reflexão pura sobre nosso fundo mato-virgem, onde a índia tapamunhas deu à luz Macunaíma. “Jogo-me no trabalho com mais necessidade quando estou fora da minha terra. Consigo me distanciar melhor das influências externas – tudo fica mais seco, árido e, consequentemente, mais prolífico dentro de mim”, explica o artista.

Dispostos em uma ciranda na sala Oval da Biblioteca Mario de Andrade, no centro de São Paulo, tais traços lampejam em torno do ser partenogênico, materializado em uma serra de fita. A apropriação do objeto usado há dezenas de anos para cortar tecidos é o vínculo direto ao universo materno de Amaro – sua mãe, estilista, sempre fez da produção de vestimentas uma forma de alinhavar a relação com o filho. A presença da peça faz-se imprescindível para o debate sobre a compreensão da mãe como mulher, com forças e fraquezas, inteira, porém imperfeita.

A série revela também a atenção do artista ao antes, a força da criação que se inicia no imaterial, transcorre às formas abstratas e logo despeja ao mundo um terceiro símbolo. Esse recém-chegado ser transforma-se infinitamente a partir daquele que o gerou, devotando-se a levar ainda mais longe e de inúmeras formas o início de tudo.

Ana Carolina Ralston
Curadora