Desconstruções e Articulações

MARCOS AMARO

Recentemente, incentivado pelo artista Gilberto Salvador, fui à cidade de Itu para conhecer a obra de Marcos Amaro. Gilberto já me informara das qualidades do artista, do modo vigoroso de sua linguagem, do aproveitamento de sucata de aviões que depois de desmontadas as peças eram reaproveitadas para formar grandes esculturas. Ainda assim me surpreendi com o que vi.

Marcos Amaro instalou seu ateliê em dois imensos galpões industriais, ambos com escala compatível com a dimensão de suas obras. Um dos espaços abriga um denso conjunto de trabalhos já terminados e, assim, pude constatar que se tratava de um artista de grande força expressiva e de identidade pessoal.

Quando nos defrontamos com uma nova poética, sempre procuramos estabelecer relações de linguagens para, desse modo, detectar com maior acuidade os aspectos daquela expressão em particular. Percebemos que Marcos Amaro incorporou elementos do dadaísmo em sua produção atual. Alguns exemplos me vêm à memória, entre eles, as colagens de Kurt Schwitters (1887-1948). Também, os readymade de Marcel Duchamp (1887-1968); as assemblages neo-dadaistas de Robert Rauchenberg (1925-2008), realizadas na década de 1960, com materiais considerados vulgares – trash, ou ainda, as esculturas com fragmentos de carrocerias de automóvel do escultor Robert Chamberlain (1927-2011).

O espírito dadaísta tem forte presença na arte contemporânea e, sobretudo, na arte brasileira, da atualidade.

Marcos Amaro não trabalha apenas com sucata de aviões, apesar da aviação ter um forte significado na sua biografia e no seu imaginário. O artista incorpora também inúmeros outros objetos e materiais, todos eles vulgares (brutti, sporchi e cattivi), destituídos de prestígio social. Marcos procura coisas que foram descartados, que foram afastadas do nosso convívio para revitaliza-las e reincorpora-las à sua obra, agregando a elas novos significados.

Marcos Amaro descontrói os objetos na forma e no significado para reinventá-los. Entretanto, os fragmentos incorporados e reordenados pelo artista, trazem consigo registros de seus significados anteriores, como, por exemplo, um pedaço de tecido, ou uma camisa, nos remetem aos personagens ocultos que as utilizou. Ou ainda, partes de uma porta de garagem, sugerem o passar do tempo (energias armazenadas) e vivências acumuladas. São, portanto, sinais de vida que ainda palpitam nos objetos descartados aparentemente sem nenhum valor. O artista, ao incorpora-los à sua obra, afere a eles um novo pulsar de vida e agrega expressiva e renovada força poética.

A presença desses vestígios (significados anteriores) não foi totalmente apagada pelo artista. Faz parte da sua linguagem manter ainda que dissimulados esses vínculos de experiências passadas, esses murmúrios do tempo. Os sinais de origem, atuam como memórias e, retrabalhados pelo artista, são testemunhos que pulsam e revigoram os conteúdos de seus
trabalhos.

Ao preservar as vozes de tempos anteriores, o artista incorpora no seu trabalho uma sofisticada noção de tempo, da sua intensidade, da sua entropia. Discute ciclos de vida e sua escatologia (ideia de morte e ressurreição); questiona as crenças na tecnologia e no progresso contínuo.

Marcos Amaro desenvolve poéticas que articulam os opostos – desconstrução e construção – para ordenar é preciso desordenar. Contudo, pela intervenção de uma lógica compositiva que está presente em todos os seus trabalhos o artista estabelece equilíbrio no aparente caos. Em algumas obras de parede, principalmente naquelas que utilizam o chassis como
suporte, encontramos princípios de ordem geométrica que são prevalentes. E, nesses trabalhos, não em outros, podemos estabelecer analogias com as linguagens contemporâneas de construção geométrica.

Apesar de não ter protagonismo a geometria não está ausente. Nas grandes esculturas de sucatas, de metal, de tecidos e materiais diversos, sentimos a presença de uma geometria disciplinadora que organiza e ordena sua linguagem.

Marcos Amaro acrescenta em seus trabalhos dois elementos de grande força expressiva: a luz neon (cor) e as imagens gravadas em vídeos ou ao vivo, de programas aleatórios de canais abertos de televisão. A luz de neon, no meu entender, é uma expressão de glamour, culturalmente vinculada à vida noturna, à sedução, mas também se refere aos sinais luminosos presentes no espaço urbano e em determinados códigos de navegação.

As imagens gravadas em vídeos trazem testemunhos e experiências de vida que acrescentam e aprofundam as narrativas das obras. Em alguns casos contrastam, noutros dialogam com os elementos de conteúdo materializados na plástica de Marcos Amaro.

Fabio Magalhães

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(TEXTO PARA A PAREDE DE ABERTURA DA MOSTRA)

MARCOS AMARO – DESCONSTRUÇÕES E ARTICULAÇÕES

Marcos Amaro descontrói os objetos na forma e no significado para reinventá-los. Entretanto, os fragmentos incorporados e reordenados pelo artista, trazem consigo registros de seus significados anteriores, como, por exemplo, um pedaço de tecido, ou uma camisa, nos remetem aos personagens ocultos que as utilizou. Ou ainda, um pedaço de porta que nos sugere o passar do tempo (energias armazenadas) e vivências acumuladas.

São, portanto, sinais de vida que ainda palpitam nos objetos descartados. O artista, ao incorpora-los, afere a eles um novo pulsar de vida e de renovada força poética.

O artista acrescenta em seus trabalhos dois elementos expressivos: a luz neon (cor) e as imagens gravadas em vídeos ou ao vivo, de programas de televisão. A luz de neon é uma expressão de glamour, culturalmente vinculada à vida noturna, à sedução, mas que está presente, também, em determinados códigos de navegação.

As imagens gravadas em vídeos trazem testemunhos e experiências de vida que acrescentam e aprofundam as narrativas das obras. Em alguns casos contrastam, noutros dialogam com os elementos de conteúdo materializados na plástica de Marcos Amaro.

 

Fabio Magalhães