Ondas do existir

 “vendo, uma água viva morta na beira do Adriático…”

Marcos Amaro

 

O mar a vida acolhe, choca, dispõe, agrega, cria e separa a vida em vidas, como a da grande água viva, objeto desta fala. A vida, em seu leque, amplia-se e muda de mão. Da forma vida-boca. Da forma que alimenta e gera à vida que alimenta e vai. Ondas do existir… o cérebro, grande mar, mar do encontro, é mar, partida.

Ali, Marcos Amaro, que traz dois mares no nome, ao encontrar sobre a pedra a fuselagem de uma água viva – antes flexa e dançante – percebe-se diante do eterno, à vista do abraço entre a vida e a morte. Diante do gesto, da pura visão do gesto, os dois mares de Marcos Amaro, os dois hemisférios, que se olhavam à distância, se abraçam. Percebe Marcos, Marcos e, sem que palavra fosse dita, que ali se encerrava um longo trabalho de luto, cujo, último passo, talvez o mais difícil, o desapegar-se, foi-lhe inspirado por uma aparição, aparição metafísica ou, como se dizia nos primórdios da língua portuguesa, por um luzimento. Começa, assim, uma nova viagem. Os lábios da ostra, impossivelmente cerrados, abrem-se à revelação. Do mar, chão das navegações, ao ar, chão do voo. Abre-se ao novo, à rota batida do pensar o ser, o estar, o mundo.

Como parte, voam com Marcos 15 imagens nascidas de suas falas sobre o ser sendo. O ser, o nada que se salva nadando na entropia do mundo, nada no traço digitalizado de seu primeiro desenho. E, do primeiro ao último desenho, braçadas contínuas deslocam o ser, fazendo-o ser em outras falas.

 

 

Antonio Helio Cabral