O Corvo
Marcos Amaro
“Nunca mais. Estremeço. A resposta ouvida é tão exata! É tão cabida!” A comparação destes desenhos com o poema de Edgar Allan Poe não é fortuita, embora os mesmos relutem em assumir o papel de meras ilustrações. Antes se debatem nas paredes como sinais, em alusão ao pássaro negro que dialoga com o eu lírico do poema, na senda aberta deixada pelo antigo preceito de composição horaciano: ut pictura poesis.
Os corvos de Marcos Amaro são feixes de carvão esfregado, perseguindo os movimentos do animal, ao pousar, ao voar, ao gralhar. Nunca Mais! Nunca Mais! A onomatopeia no poema é reconstruída pela ação do filete de carvão sobre o papel no ato de compor os desenhos. Ação, no entanto, não inteiramente representável no momento em que se expõem.
Na abrasão de um corpo contra o outro há a entrega: um se desfaz enquanto o outro se impregna. Linhas enérgicas, como efeito dos excessos deste encontro, irradiam-se do centro, como da cabeça de Atena, para as bordas do papel, como se quisessem escapar pelas paredes. Mimetizam aparentemente o feitio fugidio e esperto do bicho. Os corvos viram manchas que, inversamente ao animal sombrio do poema de Poe, iluminam os planos entrecortados pelos raios e rastos do carvão.
Para o artista, a localização dos animais não é uma janela ou os “umbrais”, mas o espaço infinito representado pela finitude da frágil folha de papel na qual a composição se dá, tal como no poema, onde o lugar privilegiado é o da voz em pronunciação.
Mas é da mensagem do estribilho do poema, mais do que do rebatimento do corvo ao corvo, do poema ao do desenho, que se alimenta a obra de Marcos Amaro, em particular dos trabalhos desta pequena exposição.
O artista tem nos lembrado em suas ações recentes (desenhos, pinturas, instalações) sobre como a memória é feita de lances ou de pedaços que jamais podem ser completamente reconstruídos. Algo sempre se perde, nada dura para sempre. “Nunca Mais!”
Luiz Armando Bagolin