Com mais de 2.500 aeródromos, o Brasil não sofre por falta de infraestrutura, mas por ausência de políticas consistentes de conectividade regional
Apesar de mais de 2.500 aeródromos homologados, a aviação regional brasileira segue limitada pela ausência de políticas consistentes de conectividade – ATR
A aviação regional brasileira, apesar do imenso potencial de um país continental, nunca conseguiu se estruturar de forma consistente. O problema não está na ausência de aeroportos ou pistas: o Brasil possui uma das maiores redes aeroportuárias do mundo, com mais de 2.500 aeródromos homologados, dos quais centenas têm capacidade para receber aeronaves de pequeno e médio porte.
A questão central é a falta de conectividade e de um modelo sustentável que viabilize economicamente as rotas regionais.
A realidade brasileira
Ao longo das últimas décadas, diversos programas governamentais tentaram estimular a aviação regional. Entretanto, as iniciativas esbarraram em três obstáculos principais:
- Subsídios fragmentados e descontínuos – os incentivos não ofereceram previsibilidade às empresas aéreas, tornando-se insustentáveis a médio prazo.
- Carga tributária e custos operacionais elevados – o preço do combustível de aviação e a infraestrutura onerosa impactam diretamente a viabilidade das operações.
- Falta de coordenação federativa – a ausência de alinhamento entre União, estados e municípios inviabilizou políticas públicas de longo prazo.
Como consequência, muitas cidades brasileiras com pistas aptas a aeronaves regionais permanecem isoladas, dependendo exclusivamente de ônibus ou de longas viagens rodoviárias.
- Clique e assine a AERO Magazine com oferta especial
- Quando não voam, aviões custam milhões
- Low-costs pressionam companhias tradicionais na América do Sul
- Por que as empresas aéreas enfrentam prejuízos e dificuldades no Brasil?
O contraste com os Estados Unidos
Nos Estados Unidos, a aviação regional é robusta e desempenha papel estratégico na conectividade do país.
Isso não ocorre apenas por razões de mercado, mas também pela existência de um programa estruturado de aviação essencial, conhecido como Essential Air Service (EAS). Criado em 1978, após a desregulamentação do setor aéreo, o EAS assegura que comunidades menores não percam totalmente a conexão aérea. O governo federal subsidia rotas regionais operadas por companhias em cidades com baixa demanda, mas que necessitam de ligação com centros maiores. O programa funciona de maneira transparente:
- O Departamento de Transportes (DOT) realiza licitações para definir as companhias responsáveis por cada comunidade.
- Os contratos têm duração determinada e oferecem previsibilidade financeira.
- O subsídio cobre a diferença entre a receita obtida e o custo da operação, garantindo equilíbrio econômico sem distorcer o mercado.
Graças a esse modelo, cidades pequenas nos EUA mantêm voos regulares, integrando comunidades ao sistema aéreo nacional.
Aspecto | Estados Unidos | Brasil |
---|---|---|
Número de aeroportos | ~19.500 (5.146 públicos, 570 com serviço regular) | ~2.500 aeródromos homologados, 698 com pista pavimentada |
Voos anuais | ~9,8 milhões de voos (média FAA, 2023/24) | ~2 milhões de voos (ANAC, 2024) |
Voos diários | ~44.000 | ~5.500 |
População atendida por voos regionais | +60% dos aeroportos comerciais têm operações apenas de companhias regionais | Grande parte das cidades médias e pequenas sem serviço aéreo regular |
Programa governamental | Essential Air Service (EAS) – subsídios federais para rotas de baixa demanda | Incentivos pontuais (ex: ICMS sobre combustível), sem programa nacional estruturado |
Conectividade | Alta – múltiplos hubs e rede regional densa | Baixa – poucos hubs fortes; dependência de grandes centros (SP, RJ, Brasília) |
Assentos programados/ano | ~850 milhões (doméstico e internacional, 2024) | ~238 milhões (doméstico e internacional, 2024; pico foi 261 mi em 2015) |
Integração intermodal | Forte integração com transporte rodoviário e ferroviário | Limitada – aeroportos regionais pouco conectados a outras modalidades |
Principais operadores regionais | Envoy, SkyWest, Republic, Mesa, e Horizon Air | Azul Conecta |
Resultado prático | Alta capilaridade e acessibilidade mesmo em cidades de 10–20 mil habitantes | Muitas cidades médias (100–300 mil habitantes) sem qualquer voo regular |
O que o Brasil poderia aprender
O Brasil reúne todas as condições para implementar um modelo semelhante. Municípios e estados poderiam se associar à União em um programa de aviação regional essencial, no qual rotas estratégicas fossem contratadas de forma transparente e previsível. Essa coordenação possibilitaria:
- Garantir conectividade mínima entre cidades menores e grandes hubs regionais;
- Fortalecer economias locais, atraindo investimentos e dinamizando setores como turismo, saúde e educação;
- Aumentar a eficiência logística em um país que ainda depende majoritariamente do transporte rodoviário.
O sucesso, contudo, depende de vontade política e de uma governança adequada. Sem continuidade e sem alinhamento entre os níveis de governo, qualquer iniciativa tende a fracassar, como tantas outras já registradas.
Conclusão
A aviação regional no Brasil não fracassou por falta de aeroportos, mas por ausência de conectividade estruturada. O exemplo norte-americano demonstra que um programa de aviação essencial pode ser viável e transformador. Se implementado com seriedade, teria potencial para integrar de forma eficiente o vasto território brasileiro, consolidando a aviação regional como instrumento de desenvolvimento econômico e social.